Cremesp reafirma posição contrária ao cadastramento obrigatório para médicos
A obrigatoriedade do cadastro e medidas coercitivas para o cumprimento da portaria nº 639, de 31/03/2020, do Ministério da Saúde, sobre a ação estratégica “O Brasil Conta Comigo: Profissionais da Saúde”, é questionável e despropositada, além de violar direitos constitucionais inalienáveis, que garantem liberdades individuais básicas. Este posicionamento do Cremesp já foi divulgado publicamente, em 06 de abril. Uma ação como essa nada acrescenta à boa prática da Medicina e à segurança da população, além de violar os direitos constitucionais inalienáveis que garantem liberdades individuais básicas.
De acordo com declarações do então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, não haveria convocação obrigatória, mas chamamento dos que estão se cadastrando voluntariamente para colaborar neste momento de emergência para a Saúde Pública.
“Exigir destes profissionais, neste momento, um cadastro obrigatório, sob pena de serem ‘reportados aos seus conselhos profissionais’, é uma ação inócua. Os médicos, inclusive os que enquadram-se nos grupos de risco, vêm se mostrando dispostos a atuar na linha de frente contra a pandemia”, comenta a presidente do Cremesp, Irene Abramovich.
O Conselho Federal de Medicina publicou posição no mesmo sentido, no dia 15 de abril de 2020.
O Cremesp também se manifestou na imprensa, em artigo assinado por sua presidente, Irene Abramovich, publicado pelo site do jornal O Estado de São Paulo. Confira, abaixo, o texto do artigo, na íntegra:
Artigo
Cadastro obrigatório não resolve cenário da atuação médica contra covid-19
A Constituição de 1988 fez da saúde um dever do Estado e um direito do cidadão, com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS). Desde então, nesse cenário de busca da universalização do acesso à saúde no Brasil, os médicos vêm lutando para atingir tal objetivo, tendo que enfrentar os mais diversos obstáculos.
O que deveria ser um dever do Estado, tornou-se uma batalha constante contra o subfinanciamento, a corrupção e a má-gestão, problemas do SUS que fazem parte do cotidiano dos médicos que atendem na rede pública. Apesar disso, esses profissionais há anos enfrentam tais adversidades, muitas vezes marcadas pela violência, desumanização e desvalorização, sem nunca abandonarem seus pacientes.
Eis que em 2020, o País se vê imerso em um cenário aterrorizante de saúde pública, diante do qual até mesmo os melhores sistemas de saúde do mundo entraram em colapso. Mesmo assim, e até mesmo por já estarem acostumados a exercer sua profissão em condições desfavoráveis, os médicos brasileiros vêm demonstrando bravura no enfrentamento da pandemia de covid-19, não deixando de arriscar suas próprias vidas para atender à população acometida. De novo, muitas vezes o fazendo sem os devidos equipamentos de proteção individual (EPI), os quais o poder público não consegue fornecer adequadamente, resultando em risco ainda maior para os médicos.
Mais uma vez, os médicos nunca abandonaram seus pacientes e não está sendo diferente neste momento em que, em outros países do mundo, vemos justamente grande número de médicos se tornando pacientes da doença que tentamos combater.
É justamente por esses motivos que a Portaria 639 do Ministério da Saúde, publicada no Diário Oficial da União, em 31/03/2020, é uma medida no mínimo questionável e despropositada, pois nada acrescenta à boa prática médica e à segurança da população. Ademais, viola direitos constitucionais inalienáveis que garantem liberdades individuais básicas. Exigir dos médicos, neste momento, que façam um cadastro obrigatório, sob pena de ‘serem reportados a seus conselhos profissionais’, caso não o façam, é uma medida inócua.
Primeiro porque, como já exposto, os médicos, muitos inclusive pertencentes a grupos de risco, já vêm se mostrando dispostos a atuar na linha de frente contra a pandemia, apesar dos riscos. Segundo, porque medidas coercitivas sempre são inferiores a medidas de incentivo, para estimular ainda mais o engajamento nessa tarefa. Que medidas nesse sentido de incentivo estão sendo propostas pelo Ministério da Saúde? Ao contrário, vemos apenas dificuldades em garantir condições mínimas de segurança para o atendimento, como o fornecimento de EPIs.
Assim, mais uma vez o Ministério da Saúde, como nas últimas décadas e independente do partido no poder, diante de sua incapacidade em promover a boa prática médica no SUS, apela para medidas coercitivas, nem mesmo discutidas previamente com os profissionais afetados.
Como guardião da boa Medicina no Estado de São Paulo, o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo(Cremesp) está consciente de que ainda muitos mais médicos se apresentarão espontaneamente aos serviços de saúde para combater a covid-19. Prova disso é o fato que as atividades de registro de novos médicos neste Conselho se mantêm mesmo na quarentena, tendo-se registrado mais de trezentos profissionais nos últimos dias, sem a necessidade de nenhuma portaria ministerial para tal. São profissionais que merecem gratidão e aplausos, como vem fazendo a população, e não arbitrariedades impostas.
Juntamo-nos em nossas condolências às famílias das centenas de vítimas da pandemia, que incluem também, médicos. E seguimos confiantes que o Brasil vencerá esse desafio somente com a união de todos, com o respeito aos valores democráticos e com a priorização do bom senso e das decisões técnico-científicas, acima de disputas políticas.
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Irene Abramovich, presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp)
(Publicado em 06/04/2020, no site de O Estado de S. Paulo)