Achados necroscópicos e histopatológicos da covid-19 são tema de live do Cremesp

A professora livre-docente do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), Marisa Dolhnikoff, coordenadora do estudo de Autópsia Minimamente Invasiva (AMI) na instituição, participou da live Achados necroscópicos e histopatológicos da covid-19, promovida pelo Cremesp, no dia 3 de abril.

“Nosso objetivo é fornecer ao médico informações científicas de qualidade, validadas pelas mais renomadas instituições de ensino, para que esses profissionais possam se instrumentalizar mais adequadamente no manejo clínico da epidemia de covid-19”, afirmou Edoardo Filippo de Queiroz Vattimo, que mediou o debate com os participantes ao final da apresentação.

Patologia da Covid-19 Fatal
Em sua aula, Marisa apresentou os resultados preliminares de estudos realizados pelo Grupo de Patologia em Autópsia Minimamente Invasiva (AMI) da FMUSP. “A AMI já pode ser considerada uma alternativa viável para que os médicos, se valendo dessa ferramenta e de nossa experiência, possam substituir a autópsia convencional e aplicá-la em várias regiões do país no contexto da covid-19”, orientou.

As autópsias convencionais em pacientes com covid-19 praticamente não são realizadas em nenhum lugar do mundo, por se tratar de uma doença altamente contagiosa, transmitida não somente por meio de aerossóis, mas também por secreções. Por isso, nos casos de morte pela doença, a AMI entra como uma alternativa ideal, pois possibilita a realização da autópsia com segurança pelos profissionais envolvidos no procedimento”, orienta Marisa.

A AMI diz respeito ao diagnóstico post-mortem pouco invasivo (sem abertura do corpo e exposição dos órgãos), que pode associar exame de imagem (TC, US, RNM, angiografia) sem avaliação histológica (autopsia virtual) ou guiando biópsias pos-mortem para a obtenção de espécimes para estudo anatomopatológico.

Ultrassonografia
A AMI guiada por ultrassom, método que vem sendo utilizado desde 2018 em pesquisas na FMUSP, proporciona um custo menor e é portátil, possibilitando seu uso em regiões carentes e remotas, melhorando a qualidade de diagnósticos post-mortem, mesmo que em locais não estejam estruturados para autópsia convencional.

Com o uso da ultrassonografia, o médico pode obter não só o direcionamento da biópsia como também a possibilidade de diagnósticos específicos para vários órgãos, como biópsia de fígado ou patologia pulmonar.

Mesmo não sendo o exame de escolha para avaliação pulmonar de forma geral, a ultrassonografia fornece fragmentos suficientes para análise, com alta preservação do tecido, em tamanho adequado para vários diagnósticos.

Investigação de uma nova doença
O objetivo da AMI na covid-19 é desvendar os mecanismos inflamatórios e moleculares envolvidos na lesão pulmonar associada a essa doença, buscando informações que possam se traduzir em conhecimento que aprimore o manejo dos pacientes, já que se trata de uma doença nova, com morbimortalidade bastante expressiva.

Para tanto, buscam-se respostas para as seguintes questões: Qual o mecanismo de ação viral no pulmão? Existe padrão da resposta inflamatória? Há variáveis dos sintomas ao longo do tempo ou região? Há correlação com achados tomográficos?

Até o momento o que se sabe é que a covid-19 é uma doença que pode levar a óbito por insuficiência respiratória e/ou falência de múltiplos órgãos. Embora, os primeiros pacientes observados pela equipe de patologistas tenham falecido com poucos dias de evolução da doença, pesquisadores da comunidade chinesa descreveram quadros diferentes anteriormente.

Segundo esses dados, os pacientes teriam uma doença arrastada com até duas a três semanas de internação em UTI. “Daí a importância de questionar se existe alguma alteração da resposta pulmonar ao longo do tempo de intubação dos pacientes, em função dos efeitos dos ventiladores mecânicos.”

A análise de diferentes tecidos (pulmões, coração, rins, fígado, baço, cérebro e pele), por meio da AMI, permite avaliar o impacto de comorbidades no contexto da covid-19, a partir da identificação de lesões prévias nesses órgãos relacionadas ao diabetes, hipertensão, doenças isquêmicas cardíacas, etc.

O estudo por AMI
O estudo inicial – realizado em seis pacientes, 5 deles com mais de 60 anos –teve por objetivo coletar material para obter um painel com perfis diferentes em relação à idade, tempo de internação e evolução da covid-19.

Todos os autopsiados por meio da AMI eram casos de pessoas com internação de 0 a 8 dias, com comorbidades – sendo as mais prevalentes DM, HAS, cardiopatia isquêmica e DPOC – e alterações agudas, que se modificaram ao longo do tempo da internação e ventilação mecânica.

Resultados preliminares
No estudo foi observado que, apesar de ser uma doença pulmonar, havia um comprometimento sistêmico dos pacientes, com falência de múltiplos órgãos, secundaria à insuficiência respiratória. Entre as alterações histológicas pulmonares observadas, destacaram-se:

  • . Lesão pulmonar aguda, extensa, com padrão predominante de Dano Alveolar Difuso Exsudativo, com possível evolução da doença em pacientes internados por mais tempo;
  • . Mínima resposta linfocitária relacionada a alterações periféricas como linfopenia;
  • . Existência de dois mecanismos principais de lesão: uma intensa e difusa lesão epitelial como resultado direto da ação viral em vias aéreas e pneumócitos, caracterizada por efeito citopátido do SARS-CoV-2; e fenômenos de microtromboses em leito arteriolar alveolar.
  • . Um achado importante, não diretamente ligado à fisiopatologia da doença, mas a uma complicação secundária, é uma pneumonia supurativa, de provável etiologia bacteriana, que implica o agravamento da evolução do quadro desses pacientes.

Conclusão
A AMI tem se mostrado um procedimento seguro, de rápida execução e eficaz na representação adequada dos principais órgãos para o estudo da covid-19. Dando sequência a esses estudos preliminares, a equipe de patologistas da FMUSP pretende montar um biorepositório disponível para vários grupos de pesquisa, visando estudar a fisiopatologia da doença.