Cremesp promove debate sobre educação médica durante a pandemia
As interferências geradas pela pandemia no processo educativo e na formação médica foram discutidas no debate “Educação médica durante a pandemia”, promovido pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), em 25/08, em formato online. O evento foi intermediado pela conselheira Maria Camila Lunardi, e protagonizado pelo coordenador do curso de Medicina e do Centro de Habilidades e Simulação da UNIFESP, Aécio Flávio Teixeira de Góis, e pelo gestor do curso de Medicina da Faculdade Santa Marcelina, Pedro Felix Vital Junior.
Maria Camila deu início ao debate reforçando a importância do tema, que tem sido alvo de polêmica após a necessidade de transição para o método de ensino à distância (ead).”Esta será uma rica discussão, pois teremos o ponto de vista de educadores e gestores de faculdades públicas e privadas. Sabemos que migrar para o digital não foi fácil, ainda mais para o curso de Medicina, que requer contato com os pacientes e com o ambiente hospitalar”, comenta.
Desafios da transição para o digital
Mesmo lidando com ambientes educativos distintos, Góis e Vital encontraram desafios similares no processo de adaptação para o online. Ambos relataram dificuldades na escolha da plataforma que seria adotada e no processo de adequação dos conteúdos, que tiveram de ser expostos pelos docentes de forma mais precisa e enxuta. “Resolvemos aplicar exercícios norteadores ao final das aulas, pois temos a ciência de que o formato digital pode ser mais cansativo para o discente e que não podemos exigir que o mesmo passe o dia todo em frente ao computador”, diz Pedro.
A equidade digital também se apresentou como um problema nas instituições de ensino, já que, em decorrência das disparidades sociais, nem todos os alunos possuíam em suas residências computadores e internet disponíveis em tempo integral. “Um ponto que temos trabalhado muito é o da inclusão. Lidamos com alunos em situação de vulnerabilidade e, por meio de doações feitas pelo voluntariado da Escola Paulista de Medicina (EPM), conseguimos deixar todos equipados e promover um ensino igualitário”, celebra Aécio.
Outro ponto desafiador refere-seàs avaliações, que, obrigatoriamente, tiveram de ser adaptadas para o formato de ensino à distância. No caso da Faculdade Santa Marcelina, Vital explicou que a entidade optou por permitir a consulta de materiais didáticos durante o exame e reiterou que o mais relevante é a participação dos alunos nas discussões, sendo as provas, muitas vezes, métodos meramente formais. Já a Unifesp, segundo Góis, preferiu suspender o esquema de notas, do 1º ao 4º ano, limitando-o somente ao 5º e 6º ano, por meio da resolução de exercícios.
Para Maria Camila, a necessidade de mudança no modo de avaliar os alunos, provocada pela pandemia, escancarou o fato de que as notas acabam ocupando um papel secundário na educação, sendo a prática e a participação efetiva os elementos mais importantes. “Temos uma cultura muito enraizada de uma educação formal, de livro. Os estudantes muitas vezes chegam nos hospitais perdidos, porque eles só terão a real absorção do conhecimento com a vivência, e não com a simples memorização do conteúdo”, aponta.
Internato
Ambos educadores concordam que o internato, a princípio, foi o mais afetado pela pandemia. As instituições de ensino optaram por suspendê-lo, em decorrência dos riscos de contaminação, principalmente no que se refere ao contato com o ambiente hospitalar. “Além do perigo de contágio, um dos motivos que nos fez paralisar as atividades foi a descaracterização de alguns sítios de treinamento dos alunos, já que muitos dos leitos do Hospital Santa Marcelina foram transferidos para o atendimento de pacientes com covid. Decidimos, então, realizar discussões clínicas online com os discentes de todas as especialidades”, conta Pedro.
A falta de acesso aos Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) também foi considerada um grande desafio para as entidades, já que era imprescindível para a atuação dos estudantes — fator este que ocasionou a suspensão do internato da Unifesp. “Este é um momento único na história, então nossa primeira ideia era a de não parar com as práticas. No entanto, precisávamos garantir segurança aos profissionais da linha de frente e aos nossos alunos”, explica Góis.
Com os hospitais retornando paulatinamente à normalidade, os internatos das duas instituições já foram retomados, com todas as devidas medidas de proteção asseguradas. O regresso foi motivo de celebração entre os alunos e professores, já que esta etapa é considerada fundamental na formação médica, além de contribuir com o desenvolvimento da empatia e permitir um real contato com o dia a dia do médico.
Ganhos educativos
Embora a pandemia da covid-19 tenha gerado inúmeros desafios no âmbito do ensino, os educadores concordam que ela trouxe consigo vários ganhos, principalmente no que se refere ao aprendizado, não só por parte dos alunos, mas também dos professores, que foram impelidos a lidar com plataformas online — algo que não era primordial até então —, e que poderá ser aproveitado de diversas formas, como em congressos, eventos e reuniões, por exemplo.
“Todas as adversidades que enfrentamos até agora resultaram em aprendizados. Esse cenário mostrou que é possível oferecer materiais de qualidade, até mais objetivos, de modo online, quebrando, assim, o estigma de que é impossível ensinar Medicina à distância”, comenta Góis. Ainda assim, o médico concorda que há matérias curriculares que não podem ser adaptadas para o ead, pois requerem, indubitavelmente, o contato com os alunos.
A covid-19 também demandou um enfoque maior em temas específicos, contribuindo com a evidenciação da importância de se estudar saúde baseando-se em evidências científicas. “Vários conceitos vieram à tona com a pandemia, principalmente em relação à infectologia, vacinas e uso de EPIs. Essas informações serão aproveitadas tanto pela comunidade médica, como pela própria população leiga”, comenta Vital.
Outro ponto discutido pelos médicos é o fato de que muitos alunos ingressam nas universidades com hábitos característicos do ensino médio, que possui essencialmente uma estratégia de ensino mais paternalista, na qual os discentes vêem-se em uma forte relação de dependência do professor. “Com a ausência de aulas presenciais, os estudantes tiveram que aprender a gerir melhor seu tempo, o que resultou em uma maior independência e autonomia, afinal, estudar em casa exige disciplina”, aponta Pedro.
Mesmo com inúmeros ganhos, os educadores afirmam que a interação presencial com os estudantes é insubstituível. “É fantástico poder olhar no olho de seu aluno, dar um feedback e ter essa troca. A empatia é essencial para exercer a Medicina, e este contato é imprescindível para que possamos desenvolvê-la”, expõe Aécio.
Ao final do evento, Maria Camila agradeceu a participação dos debatedores e elogiou a riqueza da discussão promovida, enfatizando a importância de se trabalhar o lado humanitário dos discentes. “Esse cenário só nos mostra que os alunos aprendem pelo exemplo e pela prática, e que sensibilidade não se ensina. O maior aprendizado que eles terão não virá de livros, e sim da relação com seus pacientes nos hospitais”, finaliza.
O debate “Educação médica durante a pandemia” faz parte de uma série de ações promovidas pelo Cremesp, com o intuito de elucidar e auxiliar a comunidade médica e a população em relação à covid-19.
O evento foi transmitido pelo Facebook e canal do YouTube do Conselho, e pode ser visto, na íntegra, aqui.
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