Administração de leitos hospitalares, referências e contrarreferências de covid-19 são abordados em live no Cremesp

Em meio à pandemia de covid-19, a administraçãode leitos hospitalares, referências e contrarreferências para o atendimento aos pacientes tornou-se um desafio ainda maior para os gestores da área da saúde. No entanto, a experiência bem-sucedida que a médica e gestora hospitalar Erika Paiva Ortolan apresentou, em live promovida pelo Cremesp no dia 28 de julho, está ajudando a mudar esse cenário.

Professora associada de cirurgia pediátrica e diretora de assistência à saúde do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu da Unesp (HCFMB), Érika compartilhou com seus pares, durante sua apresentação online, a adoção de um moderno e eficiente modelo de gestão no HCFMB, visando atender às novas demandas em função do novo coronavírus, por meio da racionalização dos serviços e agilização na liberação de vagas. Acesse aqui a íntegra da aula, divulgada no hotsite covid-19.cremesp.org.br.

“Desde o início da pandemia, o Cremesp, por meio dos seus conselheiros, está visitando os municípios,com o objetivo principal de orientar e pensar no melhor projeto para o atendimento durante a pandemia pelas instituições de saúde. Quando o conselheiro Daniel Kishi foi à Unesp e viu a qualidade do trabalho que estava sendo realizado lá, sugeriu essa apresentação para tentarmos justamente para replicar isso para outras cidades do Interior em relação à gestão de referência  e contrareferência, afirmou a conselheira Maria Camila Lunardi, que mediou o debate.

Com o avanço da pandemia pelo interior do Estado, surgiu a necessidade de estruturar centros de referência regional para a covid-19, a exemplo do dirigido por Érika, para receber os pacientes de covid-19 e o retorno às cidades de origem, quando necessário.A maioria dos hospitais, aproximadamente 55%,no Brasil,são de pequeno porte, dentre os quais, 70% têm até 29 leitos. Cerca de 35% são de médio porte, com uma taxa de ocupação muito baixa. E 10% dos estabelecimentos  hospitalares são de grande porte, com taxa de ocupação elevada. Com isso, a gestão de leitos parece uma missão quase impossível. “Quando se tem, por exemplo, como em nossa região, dois milhões de pessoas necessitando de assistência e cuidados, o quadro se agrava. Então, tivemos de tomar medidas e encontrar saídas para tornar essa missão possível, ou a melhor possível para aquele momento”, explanou Érika.

Gestão de leitos no HCFMB
O HCFMB é um hospital terciário com 480 leitos, vinculado ao Departamento Regional de DRS-VI, região centro-oeste do Estado, que abrange 68 municípios. Está vinculado à faculdade para fins de ensino e pesquisa e é responsável pelo atendimento a aproximadamente dois milhões de pessoas.

Há três anos e meio a direção vem adotando medidas no sentido fazer a gestão dos leitos e atender a região, que é carente de hospitais terciários, da melhor forma possível, dentro dos recursos financeiros que são limitados.

Dados do Tribunal de Contas do ano passado dão conta de que o HCFMB é o maior em número de internações por leito, entre os hospitais universitários do Estado. Também é detentor da menor taxa média de dias de internação e o terceiro em número deprocedimentos ambulatoriais.Muitas das ações adotadas foram embasadas no estudo “EffectiveBedsGainedfromReducingLengthofStay”, de 2010, que demonstrou como a melhoria da gestão das internações pode equivaler à criação de mais leitos.

De acordo com o estudo, se forem considerados 85% da ocupação do hospital com tempo médico de permanência de 5.2 dias, em um hospital como o de Botucatu, que tem cerca de 500 leitos, reduz-se em um dia o tempo de internação de cada paciente. Isso equivaleria a um aumento de 82 leitos no hospital, sem necessidade de investimento em novos equipamentos ou funcionários a mais.Com a nova metodologia, o tempo de internação é dividido entre o tempo útil para o tratamento do paciente e aquele tempo considerado desnecessário, até ser efetivada a alta e a saída do paciente do hospital.

Para efetivar o planejamento, várias ações foram tomadas pelo HCFMB no sentido de eliminar esse tempo, acelerando o processo e facilitando o fluxo de pacientes no mesmo leito, reduzindo, assim, o tempo de internação. Entre as medidas, destacam-se: plano de alta desde o primeiro dia de internação; transparência nas informações entre todo o corpo clínico; identificação precoce das necessidades do paciente para alta hospitalar; planejamento do transporte e da transferência do paciente; melhoria na comunicação sobre a alta com o paciente/familiares; e integração entre todos os setores, reduzindo o stress nos setores mais críticos.

PS,Central de Altas e Internações e “Terceira Porta”
Atualmente existem três formas de internação, mas somente dois locais de entrada no HCFMB: ou pelo pronto-socorro referenciadoou pelo PS Municipal, que também é de gestão compartilhada do complexo do HC, ou por meio da Central de Altas e Internações. Ou seja, ou o paciente é urgente ou é eletivo. Com o planejamento estratégico para a gestão de leitos,foi identificada a existência de uma terceira possibilidade de paciente, que é aquele que pode aguardar algum tempo pela internação, mas cujo tratamento é tempo sensível, não podendo entrar em grandes filas de espera por cirurgia eletiva. Isso permite algum tempo de planejamento, abrindo uma nova possibilidade de entrada pelo que denominamos terceira porta.

Quando o paciente entra pelo PS,é verificado se ele necessita de atendimento clínico ou de alguma especialidade cirúrgica. Se for clínico, pode exigir internação para aquele momento, ou aguardar na sala de observação paraalgum tipo de assistência, podendo sair de alta e, posteriormente, ser internado com programaçãovia terceira porta. Se for um paciente de especialidade cirúrgica, pode exigiratendimento clínico imediato. Então o paciente éavaliado e compensado, podendo receber alta, para, posteriormente, entrar pela terceira porta, por meio da central de altas e internações, e realização da cirurgia.

Para administrar todas as demandas, as cirurgias de urgência e emergência são graduadas em cores, modelo baseado numa proposta da Sociedade Mundial de Cirurgia de Emergência. Elas variam do vermelho, para atendimento imediato; laranja, para até uma hora; amarelo, em caso de urgência, até 6 horas; verde, até 12 horas; e o azul, programado em até 2 dias.

Se o paciente chega pela Central de Altas e Internações, as internações da grade cirúrgica são feitas somente na véspera da cirurgia. Mas se o paciente precisar de uma internação antes da véspera, a mesma tem de ser solicitada pelo sistema (Internação fora do prazo). De forma que, na Central de Altas e Internações somente são internados os pacientes da grade, na véspera, e os pacientes agendados pela terceira porta clínica ou cirúrgica.

Time de trauma e exames
Um time de trauma, de resposta rápida passa visita em todo o PS, monitorando os pacientes em relatório diário, com listagem as internações da sala de observação, por ordem de prioridade. As contrareferências possíveise pacientes que estão há mais de 24 horas sem pedido de internação são identificados, para cobrar conduta das equipes.
Também são realizados exames de imagem, laboratoriais e risco cirúrgico via terceira porta, ou seja, agendados mais rapidamente, com atendimento noturno na ressonância e na tomografia; e aos sábados, para exames considerados tempos sensíveis. Dessa forma, nenhum paciente é internado sem ter feito exame e planejamento cirúrgico.

Comissão de altas
A comissão de altas existe há dois anos e proporcionou grandes melhorias no pós-entrada do paciente. Ela é formada por membros do serviço social, setor de imagem, médicos especialistas colaboradores, enfermarias dos centrocirúrgico e das enfermarias, setor de terapia intensivo, e núcleo interno de regulação.  Todos os dias as enfermeiras passam em revista os pacientes logo cedo; e geram planilha compilada pelo núcleo de regulação, que chega ao médico responsável pela comissão de altas.

Contrarreferências
Num esforço da administração do HCFMB em lidar prontamente com a pandemia, o Núcleo Interno de Regulação (NIR Itinerante) do HCFMB visitou 30 municípios e avaliou a capacidade de cada serviço de saúde, visandoidentificar algum serviço para aumentar o número de contrareferências.

Foi constatada a existência de cidades que não têm sequer hospital, mas têm um posto de saúde com um programa Saúde da Família ótimo. Nesses locais, foram realizados levantamentos da estrutura física, medicamentos, recursos humanos, insumos e exames, o que resultou em um guia para consultas dos recursos de cada município.Essas ações permitiram que, de 30 serviços de contrareferências por ano, há três anos, passássemos a 150.

A vaga zero é um princípio que não pode ser questionado, mas que pode desestabilizar o PS e o centro cirúrgico. Então,o hospital passou a finalizar os pedidos da CROSS e do PS Municipal como aceitos. A partir daí, o time de resposta rápida entra em contato, pelo telefone, com o médico da origem e acompanhao caso, em ordem de prioridade e de acordo com sua gravidade. Com essa ação, as vagas zero passaram de 70 a 7 por mês, em junho.

Apesar de a CROSS ter fichas de contrareferências para pacientes covid-19, a realidade da nossa região ainda não permitiu ao HCFMBcontrareferenciar esses pacientes.  Isso acontece principalmente porque a evolução clínica, até por volta do sétimo dia, pode piorar. E não há hospitais na região que permitam receber esse perfil de pacientes, que necessitam de acesso a exame de imagens, controle laboratorial mais rigoroso, equipamentos de UTI, comoventiladores etc.Mas o hospitalcontinua contrareferenciando os pacientes não-covid-19, para que seja possível liberar leitos e receber os pacientes em suspeição até que sejam confirmados.

Reestruturação na era DC – atendimento covid e não-covid
Depois que a pandemia de covid-19 se alastrou pela região, o HCFMB foi rapidamente cadastrado como referência covid-19, mas não deixou de atendernão-covid.Ohospital foi, então, dividido em duas partes: a ala norte, para pacientes covid-19; e a sul, não-covid. Foram adaptados 30 leitos de UTI e abertos 50 leitos de enfermaria para os casos do novo coronavírus. Como procedimento, à mínima suspeita, os pacientes são isolados para evitar a contaminação. Após o exame, são avaliados para sair do confinamento.Também foi traçado um plano para as equipes de assistência, que receberam máscaras N95, independente de ser área covid-19 ou não.

Após 15 dias de fechamento do ambulatório, o hemocentro do HCFMB foi credenciado pela Secretaria de Estado da Saúde para a realização de testes RT-PCR. Isso ajudou na condução dos casos e abertura dos isolamentos. Teve início a testagem em massa dos pacientes e dos funcionários, por meio da saliva para os assintomáticos.

Pronto-socorro
Houve também mudanças no pronto-socorro: o PS foi totalmente reestruturado, com separação de quatro grandes salas de isolamento covid-19, no térreo, para a entrada das ambulâncias. Em pressão negativa e com câmeras, as salas evitam que funcionários entrem repetidas vezes e tenham contato com os pacientes que estão em isolamento,protegendo-os e economizando EPIs.

A primeira sala é de segurança, com um cronômetro que marca 30 minutos para o atendimento; e o paciente é rapidamente redirecionado para a enfermaria ou UTI ou aguarda em uma das outras salas. O fluxo não é retrógrado, e o paciente só sai do PS para fazer a tomografia e seguir para enfermaria ou UTI.O hospital dispõe também de uma sala de emergência não-covid, que foi ampliada para atender os que voltaram a procurar os serviços de saúde. Conta também com mais três alas de unidade semi- intensiva no OS, que desafogam as salas de emergência e a unidade de AVC.

Grupo de Whatsapp
Foi criado um grupo de whatsapp,“coalização covid-19”, paraidentificar e avaliar, criteriosamente, as retiradas do isolamento de pacientes covid-19e não-covid-19. Formado por infectologistas, gestores do hospital, comissão de infecção hospitalar, pediatras, clínica médica geral, UTI e NIR, ele é acionado quando qualquer uma dessas áreas solicita abertura de isolamento. Então, o caso é revisto rapidamente no grupo, para reavaliação de resultado de tomografia, swab etc., de forma que haja um consenso na tomada de decisão.

Planilha censo covid-19
Funcionando como um braço da comissão de altas,também foi criada a planilha do censo covid-19, que é feita todos os dias pelo gerente responsável pelo NIR. Nela são separados os pacientes entre confirmados e suspeitos,tanto da UTI como da enfermaria, apontando o que precisa ser feito para a evolução do paciente. A nova planilha veio a se somar ao que havia antes da pandemia: o grupo de censo do PSR-HCFMB, que a cada três horas informa sobre as condições do PS a todas as equipes, durante 24 horas, e é alimentado pelo NIR. Após a covid-19, foram acrescentadas informações sobre esses pacientes na sala de emergência, PSA e CROSS, para isolamento.

Cuidando de quem cuida
Em relação aos cuidados com os colaboradores, foram redobrados os cuidados e, à mínima suspeição da doença, os funcionários são afastados. Para o atendimento a esses profissionais, o 4º andar do hospital foi isolado para receber aqueles que apresentem sintomas leves da doença. O protocolo adotado visa manter o máximo de segurança, realizando consulta, dando orientação e solicitandoafastamento, até que seja finalizada a investigação dos casos.