Prevenção das Lesões Cutâneas pelo uso de EPIs e Manifestações Dermatológicas na Covid-19
Imagens de médicos com marcas na face causadas pelo uso de máscaras, óculos e outros equipamentos de proteção individual (EPIs) rodaram o mundo como um dos símbolos dos esforços do pessoal da Saúde no atendimento aos pacientes com covid-19. Esse é um dos aspectos importantes da pandemia, e, por isso, a aula Prevenção de Lesões Cutâneas pelo uso de EPI, ministrada em 15 de junho, fez parte do ciclo de palestras online do Cremesp.
A aula teve a participação de Paulo Ricardo Criado, responsável por cartilha sobre EPIs e covid, para a Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), entidade na qual coordena o departamento de Medicina Interna, além ser de pesquisador da Pós-Graduação da Centro Universitário Saúde ABC (FMABC). A segunda parte do encontro, dedicada às Manifestações Dermatológicas descritas na doença “é um tema novo e capaz de interessar médicos de várias especialidades”, opinou a conselheira Camila Cazerta, coordenadora da Câmara Técnica de Dermatologia do Cremesp, que apresentou a live e mediou as perguntas da plateia.
A importância dos EPIs
A covid-19 tem mudado a rotina dos médicos e demais profissionais de saúde e talvez “seja o maior enfrentamento da Medicina depois da pandemia de influenza, em 1919, e do evento da Aids nos anos 80/90”, diz Paulo Criado. Por isso, a abordagem essencial do uso de equipamentos de proteção, em especial, em uma doença cuja “carga viral à qual o médico está exposto é grande, o que torna o risco de contágio iminente”.
Exemplo do universo exposto: segundo o dermatologista, até 3 de abril, o hospital israelita Albert Einstein (local em que foi identificado o primeiro caso de covid-19, em 26 de fevereiro de 2020) contava com 348 funcionários infectados, dos 15 mil de seu quadro– ou seja, 2% do total, sendo que 15 estavam internados e 36 já tinham retornado ao trabalho. Desses, 1% atuava na assistência, como médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem.Tais números “mostram a importância dos EPIs para conter um problema de biossegurança, ou seja, na garantia àsegurança e à vida do trabalhador”.
De acordo com as normas legais no assunto, os EPIs são certificados contra agentes nocivos à saúde, e os critérios de uso variam de acordo com o risco: vão de óculos e protetores faciais, destinados àproteger olhos e face de partículas volantes, a EPIs de proteção respiratória, peças semifaciais contra poeiras, nevas, fumos, radionuclídeos.
Efeitos adversos, inclusive, à pele, se tornam mais frequente diante de jornadas de trabalho prolongadas, excessivas e repetitivas, como acontece no universo de uma pandemia ainda sem tratamento específico e com número atípico de internados.
Para cada contexto de atendimentona covid-19 existe um tipo de EPI para profissionais e público. Conforme publicação da SBD, trabalhadores de assistência à saúde que propiciam cuidado direto aos doentes devem utilizar máscara de filtração descartável FFP2; luvas não estéreis, óculos ou protetor facial transparente de plástico. Já aqueles que têm participação em procedimentos gerados por aerossóis devem optar pela Máscara FFP3 (máscara pré-formada de filtragem de partículas com válvula de exalação); Luvas duplas não estéreis; Roupa/avental longa resistente àágua; óculos ou protetor facial; transparente de plástico o; equivalente.
Veja nas figuras abaixo as sugestões sobre o adequado uso de EPI emanadas pela SBD.
Usar EPIs no momento certo é importante para não contrair e não transmitir a doença aos pacientes durante o período assintomático – pois a quantidade de partículas virais é similar ao sintomático. Em meio a esses cuidados, a colocação e a retirada dos equipamentos seguem protocolos específicos.
Via de regra, o pessoal que estiver nas áreas mais contaminadas veste o equipamento completo. Para colocar e retirar os EPIs são propostas as seguintes sequências: para colocar os EPIs: 1) higienizar as mãos; 2) vestir avental; 3) colocar a máscara; 4) colocar os óculos; 5) vestir as Luvas. Para retirar EPIs; 1) retirar as Luvas (com técnica adequada); 2) retirar o avental; 3) higienizar as mãos; 4) retirar os óculos; 5)Retirar a máscara (sem tocar na parte interna); 6) Fricção antisséptica das mãos.
Problemas dermatológicos decorrentes do uso de EPIs
O uso de EPIs, desinfetantes e sanitizantes é de fundamental importância no combate à covid-19. Contudo, os médicos, constantemente expostos a isso em sua prática assistencial, podem desenvolver lesões dermatológicas importantes. Elas se associam ao uso de máscaras, à lavagem frequente das mãos, ao uso do álcool em gel, ao contato com as luvas, e também à pressão causada por equipamentos como faceshields de acrílico, ou à oclusão das roupas. A Sociedade Brasileira de Dermatologia elaborou uma cartilha específica sobre o tema, na qual as seguintes observações são feitas:
• Máscaras FFP2 e FFP3 contam com um arame interno para moldar o nariz. Isso provoca áreas de pressão e, em consequência, compressão do couro cabeludo, e, por vezes, traumas atrás das orelhas;
• No atendimento a doenças infectocontagiosas, apregoa-se lavar as mãos com sabonete por pelo menos 20 segundos entre cada atendimento e procedimento. Como essa lavagem é extremamente frequente, pode superar o limiar de tolerância da pele, resultando em efeitos adversos;
• Equipamentos como luvas, avental, óculos e máscaras, ao permanecerem por muito tempo em contato com a pele, podem levar à oclusão dos folículos pilosos em determinadas áreas, como face e região dos ombros;
• Para a higienização de equipamentos, os desinfetantes mais usados têm nível intermediário, atuando contra vírus pequenos ou não lipídicos (coxsackie, rotavírus, norovírus). Em materiais como endoscópios digestivos e broncoscópios, as substâncias mais adotadas são compostos clorados, como hipoclorito e ácido peracético, que se volatilizam e se depositam na pele como pequenas gotículas. São irritantes se o EPI não estiver corretamente colocado.
Fisiologia: mecanismos dos danos à pele
Há três mecanismos possíveis para as lesões de pele em profissionais de saúde que atuam na assistência à covid-19. A primeira envolve a perda da integridade da barreira de proteção da pele e o surgimento de reações por ação irritativa direta de substâncias (sem mecanismo imunológico). A camada mais externa da pele é a camada córnea, muito espessa em regiões como mãos e pés, e fina nas pálpebras, por exemplo. É constituída por queratinócitos anucleados e componentes proteicos e lipídicos, formando uma barreira epidérmica capaz de evitar uma série de circunstâncias, como a penetração de agentes infecciosos, de poeira ou de sujidades do meio exterior para o interior. A camada de manto lipídico que a recobre evita que a água evapore da pele, ou seja, a perda transepidérmica de água, mantendo a homeostase da pele e equilíbrio local.
Conforme a pessoa usa sabonetes cujo pH alcalino é superior ao pH fisiológico da pele – cerca de 5,5 –, a camada lipídica se solubiliza, promovendo dano à barreira epidérmica, e tendo como resultado pequenos fragmentos e rupturas à camada córnea, aumentando a perda de água por evaporação transepidérmica. Assim, abre-se espaço para a entrada de microorganismos, resíduos de sabonete, poeira, e uma série de substâncias que promovem, num primeiro momento, irritação – as chamadas dermatites de contato irritativas, que surgem a partir da quebra do limiar de tolerância da barreira epidérmica.
Outro possível mecanismo é a ocorrência de reações alérgicas, que envolvem um mecanismo imunológico. Assim, nos indivíduos geneticamente suscetíveis, várias substâncias (derivados de formaldeído, de látex, entre outros) que entram pelas lesões da barreira epidérmica pelo uso repetitivo do álcool e/ou sabão, por exemplo, podem gerar haptenos com as proteínas da pele, desencadeando uma reação imunológica, isto é, a dermatite de contato alérgica. “Para prevenir a quebra da barreira epidérmica, as pessoas suscetíveis à alergia devem optar por sabonete com pH em torno de cinco, e hidratante sem perfume ou corante”, explica o palestrante.
Por fim, a pele pode ser lesada por dano mecânico direto a ela. Isso envolve um ciclo de compressão da máscara que começa com deformação celular e culmina na morte das células; seguida pela instalação de um processo inflamatório com edema tecidual e compressão intersticial do tecido. O dano vai se autoperpetuando conforme o uso diário e consecutivo desse equipamento.
Achados dos principais estudos sobre o tema
Sobre problemas dermatológicos associados ao uso de EPIs na covid-19, um dos primeiros estudos chineses envolveu 484 profissionais de saúde da chamada linha de frente. “Hoje, o período de exposição é cada vez mais longo, o que torna os danos mais frequentes”, ressalta o dermatologista. Entre os resultados, identificou-se que:
- as lesões predominavam entre adultos jovens (entre 30 e 40 anos de idade);
- a maior parte daqueles que tiveram lesões trabalhavam em UTI;
- o tempo de exposição ocupacional dos afetados variou de quatro a seis horas, em pelo menos em 51,4% das vezes;
- 62,4% dos profissionais que trabalhavam de três a cinco dias por semana desenvolverem algum tipo de problema em relação aos EPIs;
- a face foi o local mais acometido, em 47,31% dos casos.
- a lesão mais frequente foi o eritema, observado em 38,35% dos casos, sendo que, desses, 45,45% foram de grau leve.
Outro estudo, publicado no Journal of the American Academy of Dermatology, avaliou 526 profissionais de saúde, concluindo que as áreas do corpo mais afetadas pelo uso de EPIs foram a ponte nasal (83,1%), malares (74,7%), e mãos (72,5%). Os principais achados foram:
- As máscaras do tipo N95 usadas por mais de seis horas apresentaram uma razão de chances de 2,02 para danos, especialmente à região malar;
- Óculos usados por mais de seis horas apresentaram uma razão de chances de 2,32 para a ocorrência de lesões, especialmente à ponte nasal;
- A higienização das mãos, se feita mais de dez vezes por dia, apresentou uma razão de chances de 2.17 para a ocorrência de lesões de pele;
- 73,3% dos indivíduos avaliados tiveram ressecamento e aspereza nas mãos, enquanto 52,3% apresentaram descamação.
Um outro estudo sobre a incidência de lesões por EPIs nos profissionais de saúde durante a pandemia de covid-19 apontou a ponte nasal como o local particularmente mais afetado, seguido pelos malares, orelhas e fronte. Médicos e enfermeiras com idade superior a 35 anos foram os mais afetados. As queixas aumentaram proporcionalmente ao grau de proteção do equipamento, em consequência de sudorese excessiva: as máscaras respiratórias FFP3 foram responsáveis por 88% das queixas em meio a 1396 indivíduos. Em parte deles, o suor excessivo devido ao EPI causou foliculite e proliferação de fungos, como a malassezia, causadora da pitiríase versicolor.
Outro estudo, envolvendo 2.315 profissionais, mostrou a influência de algumas condições dermatológicas de base no desenvolvimento de prurido em decorrência do uso de máscaras faciais. Pessoas com pele sensível apresentaramuma razão de chances de 3,4 de desenvolver o sintoma,enquanto as com predisposição atópica apresentaram uma razão de chance de 2,25; as com dermatite atópica, 1,92; e as com acne ou dermatite seborreica, 1,29. Esse efeito não foi observado em indivíduos sem predisposição a doenças dermatológicas. Ao todo, 64% dos participantes tiveram prurido moderado, o que pode comprometer a própria efetividade da proteção conferida pelas máscaras, ao danificar a barreira cutânea e levar as mãos ao rosto durante o ato de coçadura. Ainda, aqueles que usavam máscaras N95 e face shields por muitas horas do dia tenderam a desenvolver cefaleia, uma vez que esses EPIs comprimem a região occipital, a ponte nasal e áreas têmporo-parietais, que são densamente inervadas.
Cuidados
A American Academy of Dermatology (AAD) emanou recomendações não só a profissionais de saúde, mas aos pacientes, no sentido de minimizar os danos à pele, principalmente das mãos. Figuram entre as recomendações:
- Usar água morna e sabonete para a higiene das mãos, esfregando-as por, pelo menos, 20 segundos;
- Não deixar de lavar as mãos, mesmo se estiverem ressecadas;
- Quando sabonete e água não estão disponíveis, usar sanitizantes. O Centers for Disease Control and Prevention (CDC) recomenda álcool com pelo menos 70% de concentração, após o qual pode ser aplicado hidratante
- Hidratar as mãos imediatamente após lavá-las, usando uma quantidade de creme do tamanho de uma ervilha em cada mão;
- Optar por hidratantes como óleo mineral ou vaselina e procurar por cremes ou pomadas que saiam por gravidade do tubo;
- Escolher produtos sem corantes ou perfumes, menos irritantes para a pele, e que causam menos alergias.
Na assistência aos pacientes, o uso de luvas de látex de boa qualidade é suficiente para a proteção, a não ser diante da necessidade de procedimentos. Um par adicional é recomendado quando há quebra de barreira cutânea ou da integridade da luva já calçada. O uso prolongado desse EPI deve ser evitado, pois, além da propensão à rasgos e pequenas rupturas, causa maceração da pele, por conta da retenção de suor e consequente hiperidratação.
“Depois de três ou quatro horas de uso, o indicado é tirar as luvas em ambientes livres de contaminação, para permitir que as mãos sejam arejadas e que a umidade excessiva seja removida”, explica Criado. Em seguida, deve-se aplicar o hidratante. Contudo, se a atividade gerar umidade e um uso prolongado for necessário, pode-se usar uma luva fina de algodão embaixo das luvas de látex.
Especificamente para as mãos são recomendados cremes à base de ureia que não excedam a concentração de 10%, encontrados em farmácias convencionais. Se as mãos não melhorarem da maceração e ocorrer exsudação, indica-se compressas com água boricada a 3% em solução salina a 0,9% estéril, além de unguentos com óxido de zinco. Perante rachaduras, pode-se usar cetrimida. “Quando a dermatite de contato se instala nas mãos, mesmo que irritativa, é proposto o uso do corticoide tópico em creme. Betametasona, duas vezes ao dia, pode ser suficiente”.
Como já exposto, o emprego de máscaras e óculos por um tempo longo podem culminar em urticária de contato, dermografismo, dermatite de contato, e ressecamento cutâneo, bem como, agravar condições preexistentes, como acne e psoríase facial, entre outras. Uma estratégia para evitar tal ocorrência é, se possível, alternar equipamentos com marcas diferentes, variando o fornecedor, evitando fricção e pressão nos mesmos pontos. Outra alternativa é aplicar hidratantes a base de sérum nos locais da oclusão. Outra opção é utilizar curativos de hidrocoloide sobre a ponte nasal, de forma a aliviar a pressão da máscara sobre essa região da face.
Os sulcos na pele por oclusão dos óculos, por vezes, regridem espontaneamente com a troca do equipamento e com a aplicação de compressas de gaze umedecida em soro fisiológico por 20 minutos, além de se recomendar evitar lavar a área repetidamente. Mediante rachaduras e bolhas, são sugeridas compressas com o antisséptico Iodopovidona, diluído em soro fisiológico. Também é importante evitar a limpeza facial com água muito quente, ou com lenços de papel com substâncias irritantes. Se houver muita descamação e eritema intenso, é possível usar corticoide na face, mas devem-se evitar os halogenados. De preferência, recomenda-se utilizar hidrocortisona, mas não por mais de 14 dias.
Manifestações Dermatológicas na Covid-19
Segundo Paulo Ricardo Criado, as manifestações clínicas cutâneas da covid-19 ora são produtos do estado de inflamação, ora decorrem dasmicrotrombosesdevidas ao estado de hipercoagulabilidade que ocorrem em pacientes graves de covid-19. Ademais, a pele é um alvo em potencial do SARS-CoV-2, uma vez que o receptor celular do vírus, a enzima conversora de angiotensina 2 (ECA2), está presente em diversas células que compõem o tecido cutâneo.
Para explicar o processo, citou o estudo publicado por Magro et al., intitulado Complement associated microvascular injury and thrombosis in the pathogenesis of severe COVID-19 infection: A report of five cases, no qual foram estudadas biópsias de pulmão e de pele de três pacientes falecidos por covid-19 que foram a autópsia e de dois pacientes vivos, internados em UTI.
O que se vê em imagens trazidas no trabalho é umagrande hemorragia alveolar e destruição dos alvéolos, infiltrado inflamatório edematoso, presença de células linfomononucleares, além de vasos já com trombos fibrinoplaquetários muito evidentes, mostrando processo de coagulação nos vasos dos septos interalveolares. “Com técnicas de Imuno-histoquímica, o grupo demonstrou ativação do sistema do complemento nos vasos dos septos interalveolarez”, relata Criado.
Nas figuras abaixo o processo é ilustrado:
Características microscópicas das amostras de autópsia pulmonar do Caso 1. A, Deposição significativa de fibrina nos septos interalveolares e espaços alveolares, acompanhada por hemorragia acentuada e deposição de hemossiderina. (Mancha de hematoxilina e eosina, 200 ×). B, Lesão capilar septal destrutiva proeminente é aparente, com necrose fibrinóide dos capilares acompanhada de evidência de comprometimento vascular, com hemorragia e deposição de fibrina e hemossiderina nos espaços alveolares. (Mancha de hematoxilina e eosina, 400 ×). C, a lesão capilar septal é uma resposta inflamatória pauci. (Hematoxilina e eosina, 1000 ×). D, a lesão capilar septal inclui um acúmulo intersticial e intra-alveolar de neutrófilos. (Hematoxilina e eosina, 400 ×).
Em um dos pacientes do estudofoi identificado um quadro de púrpura retiforme, um tipo de púrpura palpável caracterizada por placas purpúricas superficiais, com áreas de hemorragia e necrose e que pode ser decorrente de um evento tromboembólico e inflamatório (vasculite). Nessa linha, a lesão é precedida pelo livedo racemosa, que se caracteriza por descoloração eritemato-violácea da pele, em padrão ramificado, descontínuo e irregular, sendo, geralmente, o primeiro sinal de uma alteração vascular sistêmica. A lesão progride para um aspecto ecmótico, com edema eeritema ao seu redor. Em seguida, formam-se bolhas hemorrágicas, sinal de coagulação dos vasos da pele, já nas arteríolas da junção entre derme e epiderme. “Na junção dermo-hipodérmica, vemos o vaso com trombo fibrinoplaquetário, com infiltrado linfomononuclear perivascular”, diz Criado. A identificação de que ocorre ativação do sistema do complemento nas células endoteliais faz supor que ocorre como resultado a lesão dessas células e consequente disfunção endotelial, que, por sua vez, leva à coagulação decorrente de uma maior expressão do fator tecidual na superfície, ativação da via extrínseca da coagulação, e formação de coágulos nos microvasos cutâneos.
Na sequência, o professor Criado traz detalhes do estudo, que pode ser conferido, na íntegra, em https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7158248/.
Na mesma linha, os fenômenos trombóticos podem ser mais exacerbados na pele e resultar em manifestações isquêmicas cutâneas como a acroisquemiae necrose de extremidades, assim como observado em vasculites sistêmicas como a poliarterite nodosa e vasculites ANCA-positivas.Tais achados sugerem que os vasos de médio calibre estão sendo acometidos.
Mais manifestações cutâneas
Um estudo* realizado em três hospitais chineses e um italiano e envolvendo 678 pacientes com covid-19, que apresentavam quadros leves (57,8%) a criticamente graves (6%), observou uma incidência de 7,9% de manifestações dermatológicas nesses pacientes, à admissão hospitalar ou ao longo da internação. Dessas dermatoses, 44% estavam já presentes no dia do diagnóstico da covid-19, enquanto 56% surgiram entre o 2o e o 23o dias de internação (média de 11,7 dias).
Já a Academia Espanhola de Dermatologia lançou o estudo Classification of the cutaneous manifestations of COVID ‐19: a rapid prospective nation wide consensus study in Spain with 375 cases (íntegra em https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/bjd.19163), atlas de alterações cutâneas na covid-19, aberto ao público, e que envolve pacientes com diagnóstico confirmado para a infecção por SARS-CoV-2, com ou sem síndrome gripal.
As alterações cutâneas vistas na covid-19, na maioria das vezes, são lesões exantemáticas, caracterizadas por erupções cutâneas descritas com terminologias variadas. Esses exantemas podem ser semelhantes a outros quadros, como exantemas maculopapulares (a lesão mais comum), tais como oeritema multiforme e pitiríase rósea; exantemas petéquio-púrpuricos (semelhantes ao observado no dengue, por exemplo); lesões urticariformes, observadas em 19% dos casos e que, embora se assemelhem a urticárias, na maioria das vezes, não são urticas características, que apresentam edema típico. Ademais, observaram-se casos de pseudo-eritemapérnio, caracterizado por manchas nos dedos das mãos e nos pés, ora avermelhadas, ora arroxeadas. Por fim, foram observadas erupções pápulo-vesicais, semelhantes à varicela, intensamente pruriginosas, no tronco e nos membros.
Como já exposto, outro espectro de manifestações cutâneas envolve as decorrentes dos fenômenos tromboembólicos. Assim, quando o estado de hipercoagulabilidade e disfunção endotelialse instalou, com dano do sistema do complemento ao endotélio vascular cutâneo, observam-se lesões como olivedo racemosa, comsua trama reticulada quebrada e persistente,“diferente do livedo reticular que é fisiológico que aparece no frio e melhora com a exposição ao calor”, explica o dermatologista. “A necrose cutânea, que a gente chama de púrpura retiforme ou a necrose digital, foi observada em 6% dos pacientes mais graves.
No estudo chinês e italiano, a incidência de acordo com o tipo de lesão foi similar ao descrito na Espanha: 70% delas eram exantemas papulares ou maculopapulares (como eritema multiforme-símile), 26% eram erupções urticariformes e 4% eram vesículas ou erupçõespápulo-vesiculares, assemelhando-se às lesões da varicela zoster. Outras características dessas lesões foram: presença de prurido leve, predominância em tronco e membros superiores e maior intensidade em pacientes mais jovens, que apresentavam mais lesões disseminadas, eritema escuro, urticas grandes e púrpura. Em geral, as lesões apresentavam resolução em 2 a 5 dias, com média de 3 dias.
A seguir, são descritas em maiores detalhes algumas das manifestações cutâneas observadas nesses e em outros estudos:
• Exantemas máculopapulares: foram as mais comuns nos pacientes, tantos nos suspeitos quanto nos confirmados para covid-19. Podem se assemelhar às lesões observadas na pitiríase rósea, com descamação em colarete e distribuição ao longo das linhas de clivagem da pele. Ainda, podem se assemelhar às lesões da sífilis secundária. A erupção também pode apresentar distribuição simétrica intertriginosaflexural, acometendo a região glútea, por exemplo, e se assemelhando a um tipo de farmacodermia denominado SDRIFE (do inglês, Symmetrical Drug-Related Intertriginous and Flexural Exanthema). Se assumir distribuição morbiliforme, pode se assemelhar ao exantema visto na rubéola e no sarampo.
• Pseudo-eritemapérnio: ou perniose, observada em estados frios no Brasil, como os da região Sul e Sudeste. Não é uma lesão patognomônica pra covid-19, mas tem sido observada nessa doença, inclusive em crianças com RT-PCR positivo para SARS-CoV-2, pertencentes a grupos familiares com a presença da infecção clínica. Elas não apresentam quadro característico da doença, como sintomas gripais, mas podem apresentar lesões de perniose nas extremidades, como mãos e pés. Alguns casos podem apresentar lesões ecmóticas a bolhas hemorrágicas.
• Erupções papulovesiculares: apresentam-se com pápulo-vesículas que podem ter uma base eritematosa, se assemelhando a outras erupções papulovesiculares, como a doença de Grover, a varicela e o prurigo estrófulo. Formais mais intensas podem se assemelhar à erupção variceliforme de Kaposi (eczema herpético). As lesões também podem evoluir para bolhas hemorrágicas, que podem lembrar algumas formas de herpes zoster. Contudo, estudos histopatológicos reportaram que, apesar de essas lesões apresentarem acantólise, há importantes diferenças em relação às lesões variceliformes.Ainda,foi pesquisadaa presença do vírus varicela zoster nas lesões de alguns desses pacientes, sem, contudo, encontrá-lo. Lesões acrais podem assumir, por sua vez, o aspecto de desidroses em seu início. Muitas, ainda, podem se assemelhar a picadas de percevejo ou de pulga, como o estrófulo observado nas extremidades em crianças. “Não fosse a questão da covid-19, a gente pensaria prurigo estrófulo”.
• Lesões urticaricariformes: assumem aspecto de uma lesão eritematosa elevada, que pode confluir, diferindo da urtica edematosa típica de urticárias agudas ou crônicas. Um mecanismo possível para o surgimento dessas lesões pode ser a liberação de IL-1ß ou fator de necrose tumoral. A erupção, em recém-nascidos e bebês, pode se assemelhar à observada em síndromes autoinflamatórias monogênicas que acometem essa faixa etária e que são mediadas pela IL-1ß, como a síndrome neurológica, cutânea e articular crônica infantil (CINCA) ou a doença inflamatória multissistêmica de início neonatal (NOMID). Em adultos, pode se assemelhar à erupção polimorfa à luz e às lesões cutâneas vistas no lúpus eritematoso sistêmico.
• Lesões petéquio-purpúricas: apesar de a plaquetopenia não ser um achado comum na covid-19, foram descritos casos em países como a Tailândia, em que a dengue é uma doença endêmica, de erupções cutâneas petéquio-purpúricas similares às observadas nessa arbovirose. No Brasil, portanto, país que também apresenta a dengue como doença endêmica, esse diagnóstico diferencial deve ser cogitado na presença de tais lesões, ainda mais, se a febre for um dos sintomas presentes. Nas formas graves da doença, como já exposto, podem ser observadas manifestações trombóticas como púrpura retiforme e livedo racemosa, além de vasculites com púrpura palpável.Diferentemente das outras lesões, que não se relacionaram a uma maior gravidade da doença, a presença depetéquias difusas com relação postural (ação gravitacional), de púrpuras palpáveis generalizadas e de acroisquemia (sem bolha e gangrena seca) se associou a quadros mais graves de covid-19. Como exposto, tais lesões se relacionam a um estado pró-trombótico mais exacerbado, também se associando a níveis mais elevados de dímero-D e fibrinogênio, também marcadores de gravidade da doença.
A Ace 2 é expressa em diversas células da pele.
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