Carta aos Médicos do Estado de São Paulo

Diante da necessidade de enfrentamento da epidemia de COVID-19 no Estado de São Paulo, epicentro da pandemia no Brasil e que contabiliza cerca de um quarto das mortes do país, a Câmara Técnica de Geriatria do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo manifesta o seu apoio e respeito aos médicos que atuam na linha de frente dos cuidados aos doentes infectados pelo SARS-COV-2, especialmente em condições de insuficiência ou esgotamento de recursos hospitalares, como leitos de UTI ou ventiladores mecânicos.

Segundo os princípios fundamentais do exercício da medicina, ditados pelo vigente  Código de Ética Médica (CEM), 2019, e fundamentados no princípio bioético da beneficência,  “o alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional” (cap.I, princípio II), e “a medicina será exercida com a utilização dos meios técnicos e científicos disponíveis que visem aos melhores resultados” (cap.I, princípio XXVI). O CEM ainda garante ao médico, no exercício de sua profissão, o direito de “indicar o procedimento adequado ao paciente, observadas as práticas cientificamente reconhecidas e respeitada a legislação vigente” (cap. II, pg II). Porém, em situações de recursos limitados ou esgotados, especificamente na pandemia atual do COVID-19, cabe ao médico tomar decisões complexas relativas à alocação desses recursos, muitas vezes em caráter emergencial, diante da gravidade e piora rápida com que alguns pacientes evoluem pela infecção do vírus SARS-COV-2.  Faz-se então necessária a discussão sobre os valores éticos que orientem a priorização dos recursos, contribuindo para a escolha de critérios de triagem dos pacientes da forma mais justa e equitativa possível.

Os critérios que orientam essa triagem, fundamentados pelo princípio bioético da equidade e justiça social, devem basear-se em fatores prognósticos provenientes da gravidade da doença (COVID-19) e dos dados clínicos do doente (multimorbidade e funcionalidade prévias à infecção COVID-19). Desse modo, os critérios de triagem de forma alguma devem basear-se em dados demográficos, como o critério etário, ou em dados econômicos ou sociais, como a existência ou não de seguro de saúde suplementar. Devem, acima de tudo, priorizar a vida como valor único de todos os seres humanos, promovendo valores éticos de dignidade, igualdade, justiça social e não discriminativa, solidariedade e coletividade.

Acreditamos, portanto, que possamos auxiliar o médico na tomada de decisão de escolha de pacientes com COVID-19 para os recursos limitados (leitos de UTI ou uso de ventiladores mecânicos), sugerindo a escolha de critérios pré-estabelecidos de forma justa e equitativa, minimizando dilemas e conflitos de responsabilidade médica. Já existem alguns documentos institucionais internacionais e nacionais que orientam esses critérios de triagem durante a pandemia de COVID-19.

Como auxílio aos médicos do Estado de São Paulo, em respeito à ética, integridade e responsabilidade no exercício de sua profissão, a Câmara Técnica de Geriatria do CREMESP vem, por meio desta, referendar as recomendações da AMIB (Associação de Medicina Intensiva Brasileira), ABRAMEDE (Associação Brasileira de Medicina de Emergência, SBGG (Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia) e ANCP (Academia Nacional de Cuidados Paliativos) de alocação de recursos em esgotamento durante a pandemia por COVID-19, publicado em 01/05/2020 e disponível em https://www.amib.org.br/noticia/nid/recomendacoes-da-amib-abramede-sbgg-e-ancp-de-alocacao-de-recursos-em-esgotamento-durante-a-pandemia-por-covid-19/.

Atenciosamente,

 

                               Câmara Técnica de Geriatria do Conselho Regional de Medicina de São Paulo

 

Referências:

– Painel de casos de doença pelo coronavírus 2019 (COVID-19) no Brasil pelo Ministério da Saúde, atualizado em 02/07/2020, disponível em https://covid.saude.gov.br/. [Acesso em 02/07/2020].

– Código de Ética Médica: Resolução CFM nº 2.217, de 27 de setembro de 2018, modificada pelas Resoluções CFM nº 2.222/2018 e 2.226/2019 / Conselho Federal de Medicina – Brasília: Conselho Federal de Medicina, 2019.

– FORTES, P. A. C. Reflexão bioética sobre a priorização e o racionamento de cuidados de saúde: entre a utilidade social e a equidade. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 24, n. 3, p. 696-701, 2008.

– Recomendações da AMIB (Associação de Medicina Intensiva Brasileira), ABRAMEDE (Associação Brasileira de Medicina de Emergência, SBGG (Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia) e ANCP (Academia Nacional de Cuidados Paliativos) de alocação de recursos em esgotamento durante a pandemia por COVID-19. Publicado em 01/05/2020. Disponível em https://www.amib.org.br/noticia/nid/recomendacoes-da-amib-abramede-sbgg-e-ancp-de-alocacao-de-recursos-em-esgotamento-durante-a-pandemia-por-covid-19/. [Acesso em 02/07/2020].